15 de fevereiro de 2011

CARTILHA DA ARBITRAGEM DUVAL VIANNA, AGOSTO DE 2003

1. O QUE É ARBITRAGEM ?
É um instrumento para resolver litígios sem intervenção de um juiz de direito ou qualquer outro órgão estatal.
2. QUAIS AS VANTAGENS DA ARBITRAGEM, EM RELAÇÃO AO PROCESSO USUAL, APARELHADO PELO ESTADO ?
São muitas. As mais importantes são: As partes escolhem o árbitro e o procedimento a ser adotado, bem como determinam o prazo para a conclusão da arbitragem. O processo é sigiloso; só as partes podem quebrar o sigilo.
3. MAS, SE A ARBITRAGEM TEM TANTAS VIRTUDES, QUAL O MOTIVO DE SER PRATICAMENTE DESCONHECIDA ENTRE NÓS ?
Principalmente por deficiência legislativa. No regime legal anterior, quando os contratantes previam a arbitragem em seus contratos, esta cláusula não tinha força obrigatória, ou seja, entendia-se não haver obrigação de resolver as questões surgidas pelo meio dela, o que estimulava a parte inadimplente a recusar a arbitragem e ir para a justiça comum, muito mais demorada.
4. E ERA SÓ ESTE O MOTIVO DE NÃO TER SIDO A ARBITRAGEM ADOTADA ENTRE NÓS COMO PRÁTICA CORRENTE ?
Não. Toda a legislação anterior à atual previa que o laudo arbitral (a decisão do árbitro) deveria ser validado por um juiz de direito, através de um procedimento judicial de homologação que, na quase totalidade dos casos demandava muito tempo, permitindo recursos da parte vencida, o que retirava todos os atrativos da arbitragem.
5. ESTE QUADRO MUDOU ?
Sim. Com a edição da Lei 9.307/96, a cláusula de arbitragem inserida nos contratos tem força obrigatória entre as partes e a sentença arbitral (nova denominação do laudo arbitral) tem a mesma eficácia da sentença judicial, prescindindo de homologação de qualquer natureza.
6. O QUE ACONTECE EM OUTROS PAÍSES ?
Na Europa, na América do Norte e mesmo na América do Sul, a arbitragem é utilizada rotineiramente. Em certas atividades, a cláusula de arbitragem é prevista em todos os contratos, havendo empresas que só contratam com outras se for ajustada a cláusula de arbitragem. A American Arbitration Association, entidade criada há mais de 50 anos, afirma que, só em 2002, administrou mais de 200.000 casos em 41 países do mundo sendo mais de 3.000 casos de natureza comercial com valor superior a US$ 250,000.00 .
7. COMO É POSSÍVEL IMPEDIR A INTERVENÇÃO DE UM JUIZ DE DIREITO, NA OCORRÊNCIA DE UM LITÍGIO, SE A CONSTITUIÇÃO FEDERAL ESTABELECE QUE A LEI NÃO EXCLUIRÁ DA APRECIAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO LESÃO OU AMEAÇA A DIREITO ?
Este dispositivo se dirige ao legislador. Assim, nenhuma lei poderá ser editada prevendo hipóteses em que alguém que se sinta prejudicado ou ameaçado fique impedido de recorrer ao Poder Judiciário. Entretanto, nada impede que pessoas (ou empresas) decidam afastar a atuação estatal por vontade própria, delegando esta função a pessoa de sua confiança.
8. ISTO QUER DIZER QUE A ARBITRAGEM É CONSTITUCIONAL ?
Sim. A constitucionalidade da Lei 9.307 já foi expressamente declarada pelo Supremo Tribunal Federal.
9. A ARBITRAGEM É UTILIZÁVEL EM QUAISQUER HIPÓTESES, POR QUAISQUER PESSOAS ?
Não. É preciso que se tratem de direitos disponíveis e as pessoas devem ter plena capacidade de transigir, de dispor de seus direitos.
10. ISTO SIGNIFICA DIZER QUE MENORES DE IDADE, POR EXEMPLO, NÃO PODEM SE UTILIZAR DA ARBITRAGEM ?
Sim. Assim como os incapazes, em geral. Há dispositivos legais que protegem os interesses destas pessoas, pois a lei presume que não têm capacidade de dispor de seus interesses sem que sejam assistidas ou representadas. A arbitragem só pode ser convencionada por pessoas maiores e capazes.
11. E O QUE SIGNIFICA “DIREITOS DISPONÍVEIS” ?
Há direitos que podem ser objeto de disposição por seu titular sem que tenha que dar satisfação a ninguém. Por exemplo, um particular, maior e capaz, proprietário de um terreno, pode dispor dele como bem entender: Poderá vendê-lo, doá-lo ou mesmo abandoná-lo, permitindo que seja ocupado por terceiros. Pode, enfim, dispor do bem. Estes direitos disponíveis são os que podem ser objeto do processo arbitral.
12. QUER DIZER QUE NÃO É POSSÍVEL REMETER PARA A ARBITRAGEM QUESTÃO, POR EXEMPLO, DERIVADA DE DIREITO DE FAMÍLIA ?
Não. Estes são direitos tipicamente indisponíveis. O processo que dispuser sobre eles terá que ser judicial, com intervenção do Ministério Público e, por isto, não é passível de ser resolvido no juízo arbitral.
13. QUESTÕES COMERCIAIS, ENTRE EMPRESAS PRIVADAS, SÃO PASSÍVEIS DE SOLUÇÃO PELA VIA ARBITRAL ?
Sim. Tais questões abrangem direitos disponíveis de pessoas capazes de transigir e que, portanto, podem ser resolvidas pelo juízo arbitral.
14. O QUE FAZER PARA ADOTAR A ARBITRAGEM ?
É preciso que, nos contratos, as partes façam a previsão de que, se houver algum litígio decorrente da sua execução, será necessariamente resolvido pelo juízo arbitral. Esta disposição, denominada cláusula compromissória, tem força obrigatória entre os contratantes, de modo que, surgindo algum litígio no curso da execução do contrato, terá que ser solucionado pelo juízo arbitral.
15. COMO PODE SER A REDAÇÃO DE UMA CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA ?
“Toda e qualquer controvérsia resultante deste contrato, ou a ele concernente, será definitivamente resolvida por árbitros do Centro de Mediação e Arbitragem do Rio de Janeiro – CEMARJ, segundo seu regimento interno, concordando as partes contratantes, especial e expressamente, com os termos desta cláusula compromissória (lei 9307, de 23/09/96).”
Este modelo contém os requisitos mínimos para adoção da arbitragem. Naturalmente, outras disposições poderão ser inseridas, de acordo com as peculiaridades de cada caso concreto.
16. E QUEM VAI JULGAR ESTE LITÍGIO ?
Uma pessoa (ou mais de uma), indicada pelos contratantes, que será o árbitro.
17. QUEM PODE SER ÁRBITRO ?
Qualquer pessoa, desde que seja civilmente capaz e tenha a confiança das partes. Pode ser um advogado, um engenheiro, um médico, um contador, um mecânico, um pescador, etc. O que importa é que ele esteja em condições de entender e decidir a questão. Naturalmente, serão necessários conhecimentos a respeito do processo arbitral, para que a arbitragem tenha validade.
18. MAS, SE A QUESTÃO VAI SER JULGADA POR UM (OU MAIS DE UM) ÁRBITRO, QUAL O MOTIVO DE TER SIDO INCLUÍDO, NO EXEMPLO DE CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA (QUESTÃO 15), O NOME DE UMA ENTIDADE ?
Nada impede que, na cláusula, sejam indicados nomes de árbitros, em vez de entidades especializadas em arbitragem. Entretanto, a prática recomenda que os contratantes se valham da assessoria destas entidades, inclusive indicando os árbitros pertencentes aos seus quadros.
19. QUAIS SÃO AS VANTAGENS DE INDICAR UM ÓRGÃO ESPECIALIZADO EM ARBITRAGEM ?
Existem certas formalidades que devem ser observadas para que a sentença arbitral tenha eficácia. Estes órgãos são aparelhados para conduzir o processo arbitral – e também os procedimentos prévios – da melhor maneira, além de assessorar e aconselhar os interessados. Além do mais, devem ter regimentos internos bem elaborados que servirão para regular o processo arbitral de maneira expedita e simplificada.
20. QUEM JULGA, AFINAL, A QUESTÃO: O ÓRGÃO ARBITRAL OU O ÁRBITRO ?
Quem julga é o árbitro. O papel da entidade é o de [1] acompanhar e regular os procedimentos e [2] reunir árbitros em seus quadros, os mais capacitados possíveis, para que os interessados possam escolher aqueles em que possam confiar a sua causa.
21. PELO VISTO, ENTÃO, É POSSÍVEL CONCLUIR QUE OS INTERESSADOS DEVEM NOMEAR UM ÓRGÃO ESPECIALIZADO PARA RESOLVER, POR VIA DA ARBITRAGEM, EVENTUAIS LITÍGIOS SURGIDOS NA EXECUÇÃO DE SEU CONTRATO. ENTRETANTO, COMO FAZER A ESCOLHA ?
É fundamental uma boa escolha. O sucesso da arbitragem vai depender, diretamente, da indicação de uma entidade que [1] reúna árbitros tecnicamente capazes de bem conhecer o litígio, de preferência especialistas na matéria em julgamento; [2] disponha de um regimento com regras aptas a imprimir a desejada celeridade e efetividade ao processo e [3] conte com especialistas das técnicas jurídicas para o fim de que sejam observados os requisitos legais que conferem eficácia à sentença arbitral.
22. O PROCESSO ARBITRAL TEM QUE SER ACOMPANHADO POR ADVOGADO ?
Não. Segundo a Lei 9.307/96, não é necessário o acompanhamento do processo arbitral por advogado. Ficará ao critério das partes interessadas a respectiva contratação.
23. IMAGINANDO A HIPÓTESE DE QUE, NUM CONTRATO, AS PARTES TENHAM CELEBRADO A CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM (MEDIANTE INSERÇÃO DA CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA), SE OCORRER ALGUM LITÍGIO, O QUE DEVE FAZER A PARTE INTERESSADA ?
Deve comparecer ao órgão especializado nomeado na cláusula, que indicará todas as providências que se fizerem necessárias.
24. E SE A PARTE INADIMPLENTE RESOLVER NÃO ACEITAR A ARBITRAGEM, RECUSANDO-SE A ACOMPANHAR OS PROCEDIMENTOS APTOS À INSTAURAÇÃO DO RESPECTIVO PROCESSO ?
Há instrumentos legais que permitem compelir o recalcitrante a aderir ao processo arbitral. Os órgãos arbitrais, em geral, têm previsto em seus regimentos, multas que são impostas aos que convencionam a arbitragem e, depois, dificultam a instalação do respectivo processo (outra das vantagens de escolher órgãos especializados).
25. COMO TERMINA O PROCESSO ARBITRAL ?
Com a sentença arbitral, firmada pelo árbitro (ou pelos árbitros), cuja eficácia é a mesma da sentença arbitral.
26. O QUE FAZER SE A PARTE VENCIDA NÃO CUMPRE A SENTENÇA ARBITRAL ?
Promover a execução da sentença, tal como faria se fosse o caso de uma sentença judicial.
27. ENTÃO, SE HÁ NECESSIDADE DE LEVAR A SENTENÇA ARBITRAL A JUÍZO, PARA A EXECUÇÃO, QUAL A VANTAGEM DA ARBITRAGEM ?
Se num contrato de empreitada, por exemplo, as partes divergem a respeito de sua execução, não conseguindo acertar suas diferenças de maneira amigável, terão que recorrer ao Poder Judiciário, caso não tenham convencionado a arbitragem. Exemplificando, o dono de uma obra pode entender que o empreiteiro não realizou a obra conforme especificado, recusando-se a pagar parte do preço. Esta divergência, levada a juízo, implica na formação de um processo – denominado processo de conhecimento – pelo qual o juiz decidirá quem tem razão, dispondo na sentença sobre os direitos e obrigações de cada uma das partes. Este processo de conhecimento poderá levar anos, com sentença, apelação, recursos para tribunais em Brasília, além de outros recursos pontuais, tais como agravos de instrumento. Somente após encerrado, com o trânsito em julgado, a sentença – proferida, às vezes, muito tempo antes – poderá ser objeto da respectiva execução.
Se, ao contrário, as partes tivessem convencionado a arbitragem, este mesmo processo de conhecimento seria conduzido por árbitros, muitas vezes especialistas na matéria – o que poderá eliminar a necessidade de peritos – cuja decisão, com prazo fixado pelas partes, é irrecorrível.
28. A SENTENÇA ARBITRAL É IRRECORRÍVEL ?
Sim. A decisão sobre o mérito da causa (isto é, saber quem tem razão) é campo privativo da arbitragem. Nenhum juiz poderá reexaminar o mérito.
29. QUEM FIXA AS REGRAS DO PROCESSO ARBITRAL ?
As regras são livres, podendo serem fixadas pelas partes, pelos órgãos arbitrais e pelos árbitros. Entretanto, há limites que devem ser respeitados. São aqueles entendidos como fundamentais a um verdadeiro processo legal: Contraditório, igualdade das partes, imparcialidade do árbitro e livre convencimento do árbitro. Estes princípios – que também devem ser respeitados no processo judicial – se não observados, podem dar causa à nulidade da sentença arbitral.
30. QUAIS SÃO OS CUSTOS DA ARBITRAGEM ?
Normalmente, os custos são: [1] Despesas administrativas do órgão arbitral e [2] honorários dos árbitros. Há tabelas destes custos adotadas pelas entidades arbitrais, que devem ser previamente conhecidas pelas partes.
31. COMO AS EMPRESAS DEVEM SE PREPARAR PARA A ADOÇÃO DA ARBITRAGEM ?
É fora de dúvida que a prática da arbitragem, após a edição da Lei 9.307/96, vem sendo vulgarizada entre nós. Ainda que as empresas contem com assistência jurídica especializada, é importante que seus funcionários graduados conheçam os mecanismos da arbitragem: Poderão negociar cláusulas arbitrais nos contratos; escolher os órgãos arbitrais; indicar os árbitros; assessorar os assistentes jurídicos e representar a empresa no processo arbitral. Daí a importância de serem incentivados para freqüentar cursos de capacitação em arbitragem.

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